Motoristas que eventualmente utilizam de aplicativo de empresas de transporte privado podem ter o vínculo indeferido. Já para aqueles que o têm como única fonte de renda, a interpretação pode ser diferente
Desde 2014, os brasileiros adotaram um novo jeito de utilizar o transporte privado, que até então, era dominado pelos táxis. Com o avanço da tecnologia e o acesso a internet móbile, a inovação transformou este cenário e algumas empresas trouxeram aplicativos que conectam motoristas e usuários a qualquer hora e lugar. Praticidade, comodidade e economia que rapidamente atraiu milhares de passageiros… Mas não foi só isso; diversas pessoas enxergaram nos aplicativos a possibilidade de desempenhar atividades extras como motoristas, para complementar a renda mensal.
Porém, até os aplicativos serem regulamentados, diversas foram as polêmicas (e confusões) enfrentadas por cada empresa prestadora deste serviço. Em São Paulo, por exemplo, os aplicativos autorizados a funcionar pela cidade precisam seguir algumas regras: pagamento de taxa por quilômetro rodado, proibição de trafegar em corredores de ônibus e pegar passageiros nas ruas (vantagens restritas aos táxis). A primeira empresa a entrar no País foi a americana Uber, depois chegaram ao mercado a indiana WillGo, a espanhola Cabify, a brasileira Televo, EasyTaxi, 99Taxis, entre outras.
Contudo, após terem se adequado as questões burocráticas exigidas nas regiões onde têm abrangência, os aplicativos agora também terão de encarar novas questões que, desta vez, envolvem o judiciário. Em agosto passado, a Justiça do Trabalho de São Paulo reconheceu que existe vínculo empregatício entre as empresas e os motoristas que trabalham utilizando a ferramenta, enquadrando-se nos direitos da CLT – Consolidação das Leis de Trabalho.
A Uber, por exemplo – que já teve cerca de 120 decisões favoráveis desta esfera jurídica, sendo 22 delas em segunda instância –, disse que recorreria a decisão, uma vez que os motoristas são independentes e não tem nenhuma subordinação; os mesmos não são contratados por eles, e apenas fazem uso do aplicativo da Uber para conectar-se aos clientes e prestar o serviço de transporte.
De acordo com a advogada trabalhista, Dra. Christiane Faturi Angelo Afonso, esse assunto é polêmico e exige cuidados nas interpretações. “É preciso analisar que neste caso da Uber, os motoristas não cumprem uma jornada de trabalho específica, inclusive, a maioria exerce outro tipo de ofício, e utiliza o aplicativo da Uber como atividade paralela para o complemento da renda mensal. Sendo assim, não existe subordinação ou vínculo”, explicou Dra. Christiane, considerando ainda que um único motorista pode usar de mais de uma empresa de aplicativo, a fim de ter mais oportunidades de corridas por dia.
A advogada ainda pontua que para se enquadrar na CLT é preciso exercer serviço não eventual, mediante um salário combinado entre as partes. “Temos observados que vários motoristas pediram à Justiça o vínculo empregatício, mas não cumprem os requisitos mínimos para se encaixarem na CLT. Os motoristas que utilizam do trabalho proposto pela Uber nas horas vagas certamente terão o vínculo empregatício indeferido”, comentou Dra. Christiane, que não descarta o fato daquelas pessoas que têm o Uber como única fonte de renda e o principal trabalho (caracterizando-se jornada habitual, controle e subordinação), a chance de ter a causa ganha. “Entretanto, a jurisprudência ainda não é pacífica quanto ao tema”, finalizou Christiane.